quinta-feira, 24 de novembro de 2016

SONHOS APRISIONADOS

Todos os dias ela acordava e queria morrer.
Depois do almoço, só desaparecer.
E à noite, matá-lo.

Havia parido seus filhos, dedicado suas dias e noites aos sonhos daquele cara que havia lhe salvado das garras do pai pedófilo. Largou seus sonhos nas horas de cada dia que viveu na pobreza de carinho, de respeito e de sonhos. Os sonhos eram dele. Dela era o pó das malhas que costurava, os panos sujos da limpeza da casa, o calor na barriga quente pelo ferro e fogão.
Depois de muitos anos esqueceu quem era, quem havia sido, o que poderia vir a ser.
Ele, seu salvador, fecundador e homem fez faculdade, frequentou bares e jantares com colegas, ia em casas de prostituição. Ela, forno e fogão.
Quando ele foi embora para morar com outra, atirou-se no chão, arrancou cabelos, chorou noites e dias, perdeu peso, quase morreu. Mas não admitia viver sem ele, sem sua presença, sem os sonhos terceirizados. Esperaria por ele até o fim da vida, quando cansasse das aventuras da liberdade e precisasse dela para cuidar de suas doenças. Ele voava enquanto ela estava presa nos grilhões de sua casa. Aquela prisão era só dela e as chaves da cela guardadas na gaveta dos talheres.

Todos os dias ela acorda e espera por ele.
Depois do almoço, olha pela janela à sua procura.
E à noite, caso ele queira, amá-lo.


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