terça-feira, 20 de setembro de 2016

LADRÃO DE DOMINGOS

Não sabia há quanto tempo não vivia seus domingos. Sempre soube que seria dia de almoço especial, de caminhadas pra ver as nuvens, o céu, as flores florescidas ou em véspera de aparecerem. 

Mas sempre desapareciam com seus domingos. 

Antes porque tinha que brincar sozinha, longe de vizinhança inapropriada para a convivência. Pouco mais tarde, porque era dia de conviver com seus parentes nada inocentes, que lhe torturavam no bosque aos fundos da casa da avó. Um tempo depois, os domingos eram roubados pelas obrigações, afazeres domésticos de quem havia assumido compromisso cedo demais. Mais tarde o futebol interminável, as visitas à casa de parentes nada amistosos. 

Assim eram-lhe roubados os domingos, as horas imprescindíveis de sobrevivência ao mundo caótico que lhe cercava. Agora, eram-lhe tomados pelo passado, pela culpa, pelo arrependimento. 

Os domingos quase raros eram frios, vazios, solitários, de ruas desertas, de janelas prestes a serem acendidas. Ao longo dos anos não tivera domingos e a amargura não era depositada na privada, nem despejada no esgoto que passava perto. 

O domingo dormia nela, ardia entre suas pernas, seus braços esperantes de outros abraços, das risadas nada possíveis nestes domingos de agora. Alguém sempre lhe roubara os domingos, os almoços, as caminhadas, a cumplicidade de quem espera todos os dias por ele. 

E entre um domingo e outro haviam expectativas, mordidas na fronha que esperavam outra e outra noite até que o sétimo dia chegasse, meio trôpego, despedaçado, inalcançável pela mulher que havia sempre sido roubada e nunca reclamou.

Hoje ela saiu de casa determinada.

Faria deste seu último domingo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário